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O problema da compatibilidade entre liberdade e causalidade natural em Kant

O problema da compatibilidade entre liberdade e causalidade natural em Kant

Marina da Costa Tannuri

 

Resumo

               O objetivo desse trabalho é realizar uma análise sobre a Segunda Analogia da Experiência, reconstruindo o princípio da causalidade em Kant e sua eficácia para resolver o problema proposto por Hume acerca das relações dos eventos com suas causas necessárias. Para tanto, farei uma breve reconstrução sobre o problema de Hume, bem como de que maneira Kant trabalhará as relações de causa e efeito (sendo a conexão entre elas necessária e possível a priori), para demonstrar como se dará a resposta deste em relação às afirmações daquele. Assim, o escopo desse trabalho será alcançado tendo como base a compreensão do problema de Hume e da resposta de Kant a ele, explicitando como se dará a compatibilidade entre a causalidade pela liberdade e pela natureza na obra kantiana.

Introdução e objetivo

               A partir de uma análise sobre a Segunda Analogia da Experiência de Kant é possível observar que o filósofo tem como escopo reconstruir e dar uma resposta razoável ao problema de Hume acerca das relações de causa e efeito, bem como da necessária sucessão entre a causa e um evento. Assim, o filósofo pretende demonstrar que, necessariamente, todo evento tem uma causa, objetivando o conhecimento de determinada sucessão de acontecimentos e trazendo precisão a tal investigação filosófica. Explicado o conceito de causalidade natural, mostramos sua compatibilidade com o conceito de liberdade kantiano, o que é feito pela introdução de dois domínios: o sensível e o inteligível, como será trabalhado ao fim deste trabalho.

Procedimentos metodológicos

        O projeto foi realizado por meio de uma reconstrução argumentativa de passagens selecionadas, notadamente, da Crítica da Razão Pura e da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant. Como apoio dessa reconstrução, foram consultadas obras de comentadores, sendo que as principais constam da bibliografia deste trabalho.

Resultados e Discussão

            Vê-se, no prefácio do Prolegomena (1783) que Kant afirma ter sido Hume o filósofo que, até então, havia tratado de questão fundamental, introduzida por Kant como um problema geral, que perpassa por todas as categorias da compreensão: como seriam possíveis os juízos sintéticos a priori?

              Hume irá tratar de tal problema através da causalidade – pretendendo explicar as relações de causa e efeito, bem como as condições de existência dos fatos empiricamente percebidos.  A síntese dessa questão no pensamento humano se dá a partir da consideração de que um evento B, que procede ao evento A,  apenas poderá ser considerado conexo (sendo, portanto, efeito de A) através da experiência. Para ele, portanto, o estabelecimento de conexão necessária entre causa e efeito se dá apenas pela experiência. Porém, como formar nexos de causalidade de maneira tão somente empírica, sem utilizar a razão? Para Hume, o elemento que permite tal formação é a força do hábito, sendo a razão insuficiente para formar o nexo de causalidade. Tais nexos, portanto, somente tem validade se forem acompanhados da ideia de regularidade das leis da natureza. As inferências indutivas, como se vê, são pautadas na suposição, baseada no hábito, de que passado e futuro se repetem, e, portanto o futuro seria totalmente previsível. Kant dará um novo tratamento ao problema de Hume, mais amplo, oferecendo uma resposta a ele, como veremos a seguir. A inovação do pensamento de Kant se dá através da afirmação de que deve haver uma justificação racional dos juízos causais, que leve as experiências a uma universalidade.

             Kant condena veementemente os juízos reflexivos sobre causalidade, uma vez que é inconcebível saltar do particular para o universal apenas pela repetição de eventos. Assim, o empirismo tem sua eficácia apenas a título de inferir dados a partir da observação de eventos passados, o que não confere necessidade às conclusões. Tal método, portanto, careceria de completude. Pela adição do conceito kantiano de causa (princípio da sucessão do tempo, segundo a lei da causalidade) é possível converter uma mera observação dos fenômenos em conexão necessária entre eventos. Kant, assim, passará de uma chamada “régua empírica meramente subjetiva” apenas pela associação entre percepções, para leis universais, adicionando o conceito a priori de causa. Vale ressaltar, ainda, que a partir do texto da Segunda Analogia é possível observar o propósito de universalização de Kant. Ao estabelecer princípios e leis, o filósofo confere objetividade a sua obra e, através dos princípios, faz-se possível comprovar suas teorias no mundo fático, através da experiência. Kant, em sua filosofia, irá tratar sobre a causalidade natural, que é uma forma de causalidade segundo a qual, uma vez que a um evento seja posto, a existência de outro se segue necessariamente, obedecendo a uma regra. Entretanto, se considerarmos que as ações humanas também são eventos temporais, toda ação humana fará parte de uma cadeira causal que se estende na direção de um tempo anterior ao próprio nascimento do agente. A partir dessas duas definições, parece-nos um problema compatibilizar a causalidade natural e a liberdade humana. Kant começará a resolver tal problema a partir do conceito de liberdade. Enquanto para muitos a liberdade significa ausência de leis, Kant sugere que a liberdade sem leis é um “absurdo”. No contexto da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, têm-se que a liberdade é uma cadeia causal concorrente com a natureza. Assim, a liberdade sem leis se torna um absurdo, primeiramente, pois causalidade sem leis é um absurdo. Ainda segundo Kant, a liberdade é regida tendo como lei o conceito de autonomia, tendo tal conceito como fórmula a vontade de todo ser racional como legisladora universalmente.

Conclusão

            Sendo assim, temos que a segunda analogia de Kant se aplica apenas a fenômenos, ao passo que a liberdade não diz respeito a nossas ações enquanto fenômenos. Portanto, temos domínios distintos: o fenomênico, onde se aplica a segunda analogia, e o inteligível, onde se aplicam conceitos morais, como o da liberdade, sempre regida pela autonomia, tendo o homem como ser racional.

Referências bibliografia

ALLISON, H. Kant’s Groundwork for the Metaphysics of Moral: A Commentary. Oxford University Press, 2011.

___________. Kant’s Theory of Freedom. Cambridge University Press, 1990.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997.

________. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido de Almeida. São Paulo: Discurso Editorial; Barcarolla, 2009. 

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